segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Foi Apenas Um Sonho (Revolutionary Road, 2008)

Por Alessandra Marcondes
.
Muitos dos filmes que existem por aí se dedicam a retratar dramas da vida real, em suas mais variadas vertentes. O palco para a choradeira pode ser um acidente, uma morte inesperada, ou um amor proibido de épocas distantes nas quais a tradição era algo respeitável. “Revolutionary Road” – o título original é bem melhor, diga-se de passagem – é daqueles que retratam um tipo diferente de tristeza: aquela que vem de dentro, sem aviso prévio e é inexplicável, pois foi imposta pelas nossas escolhas na vida. Ao assistir o trailler, conduzido por uma bela música e com a presença dos melhores diálogos do filme, fiquei instigada a assisti-lo, pois parecia se tratar de uma bela história de amor, emocionante e com problemas delicadamente elaborados. Porém, o longa coleciona diversas falhas, desde a apresentação das personagens até a definição de gênero. Logo no início do filme, fui surpreendida por uma discussão entre Frank (Leonardo Di Caprio) e April (Kate Winslet) sem nem fazer idéia do laço que eles tinham, e sem acreditar naquilo, pois os atores pareciam perdidamente neuróticos em uma discussão infundada e esquisita.
Conforme passa o tempo, percebemos que o promissor casal de Titanic encarna agora um par infeliz, frustrado pela mudança de ritmo de suas vidas: antes, dois jovens cheios de sonhos; hoje, dois adultos em uma grande e monótona casa no subúrbio norte-americano. O problema é que o filme oscila entre drama e comédia de cena a cena. Kate e DiCaprio interpretam a dor formidavelmente em certas horas, como quando o marido retorna ao lar depois de ter traído sua esposa, que o espera dedicada e amorosa com seus filhos em uma pequena festa surpresa pelo seu aniversário. Porém, quebrando o ritmo, ambos encarnam pessoas ingênuas, mimadas e inconstantes, que reclamam muito sem se esforçar para mudar de vida de uma maneira realista. Sem contar a aparição de John Givings (Michael Shannon), filho da vizinha, que retorna do hospício para uma visita à casa do 'casal perfeito', e faz o papel de uma espécie de gurú que enxerga a verdade em tudo, misturado com um lunático bizarro que torna cômicas as cenas com sua participação.
A idéia de discutir o quão essenciais são as formalidades que rodeiam nossa vida social, como possuir um emprego aceitável, constituir família e se dedicar a ela, cai como uma luva nestes tempos modernos, nos quais é preciso trabalhar muito em um emprego que nem sempre nos agrada, deixando pouquíssimo tempo para nos dedicarmos ao que nos faz feliz. Porém, se tratando de um problema tão real, o filme comete um pecado gravíssimo ao retratá-lo de tal maneira tragicômica, pois não lhe confere devida seriedade, e passa a mensagem de que todos nós, no fundo, reclamamos à toa pois acreditamos ser mais verde a grama do vizinho - ou mais bela a mulher do vizinho, no caso - sem nem refletirmos a respeito.
Para fazer justiça, admito que Sam Mendes continua sendo aquele bom diretor de “Beleza Americana” nos aspectos audiovisuais: a trilha que embala o filme é um de seus pontos altos, aliada a detalhes de iluminação que fazem um paralelo entre o abismo que assola a alma dos personagens, sempre em tomadas internas pálidas e escuras, e o mundo belíssimo e iluminado que existe além daquele belo jardim em frente à casa.
“Foi apenas um sonho” acaba sendo uma boa história, colocada em prática da maneira errada. Para provar que pequenos detalhes fariam toda a diferença, é só compará-lo ao genial “Pecados Íntimos”, também com Kate Winslet no papel principal: os personagens são tão problemáticos quanto, e sofrem por motivos não evidentes tendo um final meio frustrante e atordoado. Mas ao invés de escancarar a piada que se tornaram as regras invisíveis da humanidade, discute de maneira mais profunda o mal que elas podem causar para a personalidade de cada um, e envolve o espectador em tal sofrimento. Ao final de Revolutionary Road, por sua vez, é impossível evitar uma testa enrugada que duvida que a ficção projetada na telona tenha grandes semelhanças com a vida real.
.
"Who made this rules, anyway?"

Um comentário:

Bruno Pongas Fernandes Batista disse...

Mto boa a crítica! Bom te ter de volta aqui :D